
Olá, rastejadores de masmorras!
Mais uma vez o poderoso Oráculo vem aqui neste antro de vagabundos para falar mais um pouco sobre interpretação de personagens. Afinal, apesar de alguns negarem, RPG não é só sobre rolar dados e controlar bonequinhos!
Pois bem, eu nem preciso avisar que o conteúdo deste artigo contém apenas dicas que vocês podem seguir, adaptar, modificar, ignorar e por aí vai. Não existe, de maneira alguma, um jeito certo de se jogar RPG. Aliás, existe sim, é o jeito mais divertido!
O tema do artigo de hoje foi baseado na sugestão do leitor Caio, mais conhecido como Kenay, o halfling ladrão da primeira mesa oficial de AD&D, promovida por este humilde (mentira) mago.
A COR DA MAGIA
A magia é um elemento importantíssimo dos mais diversos RPGs de fantasia e/ou misticismo. Sem ela não haveriam magos, clérigos, feiticeiros, druidas e demais arquétipos místicos das histórias de fantasia.

Em termos de regras temos diversas descrições de como funciona, ou pelo menos, como deveria funcionar, já que não existe magia no mundo real. Cada sistema de regras tem alguma maneira de lidar com a magia, seja ela arcana, divina ou de qualquer outra fonte. Já em relação à interpretação das magias temos uma enorme carência de informações.
Peguemos como exemplo o famosíssimo Dungeons & Dragons. Qualquer que seja a classe conjuradora de magias, sempre haverá um passo a passo parecido para executá-la. Primeiro o personagem prepara a magia, depois profere palavras mágicas, faz gestos e utiliza componentes materiais e depois disso tudo as regras se encarregam do resto. Mas afinal, que palavras são essas? E os gestos? Basta um estalar de dedos e um abracadabra pra resolver tudo? E os conjuradores divinos? Simplesmente pedem por favor [insira o nome da divindade aqui]?
O grande problema (e também o grande mérito) da magia é que ela não é uma ciência exata. Exceto pela descrição dos componentes materiais, nenhum outro componente, seja ele verbal ou gestual, é especificado, o que confunde muitos novatos (e uma porrada de veteranos também).
É muito simples dizer "meu personagem profere palavras estranhas e começa a gesticular enquanto esfrega um pouco de guano de morcego, afim de criar uma Bola de Fogo". Mas que gestos e palavras estranhas são essas? Teoricamente você não é obrigado a especificar nada disso, mas ajuda muito a nos aprofundar na interpretação do personagem. E o foco aqui é interpretar, certo?
GRIMOIRE... GRIMOÁR... GRIMO... AH, ESSE LIVRÃO AÍ!
Interpretar um personagem conjurador sempre é um desafio. Em níveis mais baixos temos que lidar com o risco de morrer com um único golpe, enquanto nos níveis mais altos temos de lidar com listas gigantescas de magias. Contudo, vamos nos ater à interpretação das magias.
Como já dito anteriormente, os manuais de regras geralmente especificam os componentes materiais, mas nunca os componentes gestuais e verbais. Nesse caso devemos usar a criatividade para criar nossos próprios componentes.
No caso dos componentes gestuais você pode representar alguns gestos e posições com as mãos, mas geralmente não é muito prático (e até mesmo constrangedor) encenar danças ritualísticas e outros gestos que usem algo além das mãos. Uma boa ideia é planejar alguns gestos simples relacionados à Escola da magia (ou Caminho, Esfera e o que mais seu sistema favorito utilizar) e apenas aplicar algumas variações para cada magia específica (sim, mais ou menos como os Jutsus do Naruto).

Já no caso dos componentes verbais temos uma imensa gama de escolhas que podem definir o nosso método de interpretação. Primeiramente deve-se decidir que tipo de coisas seu personagem irá dizer ao conjurar a magia. Ele pode, por exemplo, falar uma pequena rima
("Pelo poder dos espíritos antigos / Dê-me poder para incinerar meus inimigos!"), ou então usar algum idioma do mundo real (sabiam que Vuurbol é Bola de Fogo em holandês?).
Você não precisa ser um poliglota (ou um troglodita) pra saber isso, basta uma consulta a um bom dicionário (ou o tradutor do Google mesmo).
Outra opção é simplesmente inventar palavras e assumir que seja um idioma arcaico conhecido apenas por magos. Você não precisa criar uma nova língua para isso, basta apenas fazer uma breve lista ao lado do nome de cada magia na sua ficha. Para manter a impressão de que se trata de um idioma arcaico de verdade você pode usar palavras similares para magias similares, apenas com pequenas vaiações.
Com o tempo esse estilo de interpretação ficará marcado entre o grupo de jogo. Todo mundo que leu a saga de Dragonlance, por exemplo, sabe que quando Raistlin pronuncia a palavras "Shirak", ele conjurará a magia Luz.

Outro ponto interessante para aplicar esse estilo de interpretação é no momento de memorizar as magias. O personagem pode ficar repetindo algumas dessas palavras como se estivesse tentando memorizá-las. Só tome cuidado para não transformar cada memorização diária em um extenso discurso de palavras estranhas ou o jogo não seguirá em frente. Normalmente o narrador lida com essas cenas usando tempo acelerado (cada jogador diz o que seu personagem fará durante esse tempo), mas vez por outra é interessante interpretá-las.
UMA QUESTÃO DE FÉ
No caso dos clérigos e paladinos a coisa muda de figura, afinal não se trata de uma ciência exata. Na verdade um conjurador divino não faz nada por si próprio, apenas canalizando o poder de sua divindade patrona ou de uma causa, no caso de um clérigo genérico.

Neste caso o melhor meio de se interpretar a conjuração é conhecendo os etos da divindade em questão. Um clérigo de Keen, deus artoniano da guerra, por exemplo, não pediria "por favor" para sua divindade, pois isso seria considerado um sinal de fraqueza (um exemplo claro disso são as conversas entre o deus e seu sumo-sacerdote Mestre Arsenal).
Analizemos uma simples magia de cura: Um clérigo de uma divindade guerreira poderia pedir que esta concedesse forças ao alvo da magia para que ele continuasse combatendo, enquanto um sacerdote de uma divindade de uma divindade da paz pediria que o alvo recebesse alívio em sua alma que outrora estivera em conflito e agora deseja piedade. A mesma magia vista de pontos de vista diferentes e condizentes com os ensinamentos de cada divindade.

Como a maioria dos componentes materiais das magias divinas são baseados no símbolo sagrado da divindade ou em objetos que tais deuses consideram sagrados, não temos nenhum problema na interpretação. Já no caso dos gestuais também vale a dica de se basear nos ensinamentos de cada deus. Talvez uma divindade da guerra cure enquanto o sacerdote aplica golpes em pontos vitais do alvo (alguém lembrou dos Cavaleiros do Zodíaco?), enquanto uma divindade pacífica prefira gestos mais suaves.
Já os druidas e rangers são basicamente conjuradores divinos com um paradigma diferente. Saem os deuses e entra a natureza como um todo. Uma boa ideia seria que o jogador conhecesse nomes de variadas plantas e frutos para que seu personagem usasse ao conjurar o poder da natureza. Obviamente um jogador que controle um druida não precisa aprender botânica, mas se possível, um pouquinho de estudo é desejável (pode ser até mesmo pesquisa na wikipedia).

THE BARD'S SONG
E como ficam os bardos? Jogadores de AD&D sabem que a classe aprende um pouco de cada coisa durante sua carreira, o que inclui magia arcana. Ou seja, os bardos estudam da mesma maneira que os magos, embora sem o mesmo empenho, o que explica sua lista de feitiços reduzida. Já na terceira edição em diante foi mudada essa abordagem, utilizando-se magias específicas para a classe (antes um bardo porderia conjurar uma bola de fogo sem maiores problemas).
As opções de como interpretar magias de bardo são tão infinitas como as formas de arte (embora muita gente ache que bardos só sabem tocar bandolim). Você pode, por exemplo, recitar poemas (com rimas ou não), cantar palavras mágicas, elaborar danças ou até fazer pinturas no ar com um pincel (isso seria especificamente impressionante no caso de magias que criam objetos).
Jogadores versados em algum instrumento musical poderiam pedir permissão para o narrador para tocar determinados acordes como forma de conjurar suas magias. Neste caso algumas ressalvas deveriam ser feitas, sendo a principal delas a que se use instrumentos acústicos (nada de guitarras elétricas na era medieval) e que sejam portáteis, afinal seria estranho montar um kit de bateria pra cada sessão de jogo. Além disso, o narrador deve ter sempre o cuidado de evitar que o jogador em questão roube a cena, senão, ao invés de sessão de RPG teremos um show de música particular.
Como vemos as opções são muitas e jogadores criativos poderão elaborar seus próprios estilos de conjurar magias de maneira única. Existe muito mais magia em interpretar um personagem criativamente do que dizer "eu lanço uma Bola de Fogo".
Sobre o Autor:
![]() | O Oráculo é o segundo em comando no Blog do Dragão Banguela e escreve sobre nerdices em geral no Dimensão X. Mago e Inspetor de Equipamentos nas horas vagas. É fã assumido de AD&D 2ª edição, mas não liga muito pra essa história de Old-School. |