terça-feira, 6 de julho de 2010

O Combate e a Interpretação



Saudações, macacada!

Aqui quem fala é o todo poderoso Oráculo, dando inicio a mais um artigo para o blog mais porreta da blogsfera errepegística brasileira!

Aqueles que passaram nos testes de Observar e nos testes de Sabedoria devem se lembrar que eu comecei aqui no Dragão Banguela pela sessão Post do Leitor (que anda mais vazia do que barriga de mendigo). E desde aquela época eu já defendia a política do "Menos Regras, Mais Interpretação".

Pois bem, cambada, nos próximos dias teremos uma caralhada de artigos seguindo este mesmo estilo, justamente pra compensar o tempo em que eu e o vagabundo do Trapaceiro ficamos sumidos, então sentem vossos rabos cheios de espinhas numa cadeira confortável e uma boa leitura...

...

Seja qual for o seu RPG favorito, cedo ou tarde seus jogadores vão entrar em conflito com alguém ou alguma coisa. É da natureza do jogo privilegiar a ação e a aventura, mesmo em uma história de suspense e horror, afinal se filmes e livros de ação são divertidos, por que não seria em RPG?

Todo sistema de RPG tem regras para combate. Elas podem ser simples como as de 3D&T, ocupando poucas páginas ou complexas como as de Dungeons & Dragons ocupando capítulos gigantescos. Alguns sistemas como GURPS e Street Fighter chegam até ao refinamente de ter dois sistemas de combate, um valorizando mais a interpretação e outro valorizando mais a estratégia.
E o artigo de hoje serve justamente para dar dicas de como fazer seus combates serem únicos... e mortais! Lembrando que esse artigo contém apenas dicas. Eu não sou o pintudo-mor do RPG, então não adote este texto como uma lei escrita em pedra.

PING PONG

A maioria dos sistemas de RPG simplesmente adota que você e seu inimigo trocam porradas, rodada a rodada até que um caia duro no chão. E cedo ou tarde esse esquema de "acertei, errei, acertei" acaba enchendo o saco! Transformar um combate em uma sucessiva disputa de rolagens de dados é subestimar o poder e a carga dramática que uma luta de verdade possui.

O que causa mais impacto? O velho e manjadíssimo "bati com a espada, tirei 13, rolei o dano" ou algo como "a lâmida da espada de Kerec atinge a couraça do asqueroso ser, fendendo a pele da criatura, que expele uma espécie de icor verde e mau-cheiroso, enquanto urra de dor." ?

COMBATE NARRATIVO

Pare de pensar só nas regras, elas são ferramentas e não grilhões. Então, nada mais justo do que usá-las em favor da narração.Imaginemos o nosso queridíssimo Advanced Dungeons & Dragons. Um combate se reume basicamente em uma jogada de ataque que deve superar a Categoria de Armadura do oponente. Ok, do ponto de vista matemático é perfeito, mas e quanto à narrativa? Como transformar os dados lançados em uma cena vívida de batalha?


A CA, ou qualquer outro mecanismo de defesa de seu sistema de regras favorito é apenas um número abstrato que pode ser interpretado de várias formas caso a caso. Um personagem com alta CA pode ser um imponente guerreiro em uma couraça metálica completa ou apenas um ladrão mequetrefe que sabe se esquivar muito bem. Em cada caso, o personagem usa a defesa que mais lhe aprouver e é justamente nesse ponto que podemos nos embasar para prepararmos um bom combate narrativo.
Se o seu personagem errou a jogada de ataque contra um cavaleiro com uma poderosa armadura negra, você pode fazer algo como "Você tenta mirar em um ponto falho da armadura de Sir Darkwood, mas parece que sua armadura negra é uma torre indefensável. Sua espada resvala no peitoral de metal negro sem causar-lhe nenhum arranhão". Já no exemplo do ladrão seria algo diferente como: "Você golpeia com toda a força, sua espada desenha um arco no ar, mas o habilidoso Dislik esquiva-se numa pirueta rápida como um raio".

O mesmo pensamento vale para a descrição dos atacantes. Se o personagem é um guerreiro com uma espada ele provavelmente cortará seus alvos quando atingir um golpe, mais ou menos como em: "Seu golpe faz um corte profundo no braço de Darius. A ferida expele sangue em profusão, fazendo a lâmina metálica de sua arma ficar vermelha".

O PODER DAS COMPARAÇÕES

Em RPG toda a ação ocorre dentro de nossas cabeças. O Narrador, ou Mestre é também nossos olhos, nariz e ouvidos no mundo de jogo. É através desta figura na mesa de jogo que conhecemos os mundos fantásticos do RPG.

Uma das formas mais eficientes do narrador evocar reações em seus jogadores é através de comparações. Coisas como "rápido como um raio", "resistente como uma rocha", "imponente como uma torre" evocam impressões em seus jogadores, talvez mais eficientes do que simplesmente descrever as situações, pois os força a imaginar.



O mesmo vale para situações fora de combate. Se você quer que os personagens imaginem que estão numa masmorra silenciosa? Diga-lhes que o local está em "silêncio sepulcral", afinal, poucas coisas são mais silenciosas que um túmulo.


DIGA MUITO FALANDO POUCO

Usar de narrativa é muito bom para impressionar os jogadores e criar ambientes de jogo memoráveis, mas se pra cada jogada de dados você der um discurso os jogadores vão acabar ficando de saco cheio e indo jogar Magic.

O ideal é tentar passar as informações necessárias com uma quantidade razoável de palavras. Tente também não fazer com que cada ataque e defesa no meio da batalha se pareça com as outras. Mesmo o guerreiro de armadura do primeiro exemplo vai acabar se esquivando de alguns ataques ao invés de confiar cegamente em sua armadura.

VOCABULÁRIO É FUNDAMENTAL

Não adianta tentar narrar um combate se você não possui um bom vocabulário. Um ataque que "arranca sangue pra caralho!" pode ser legal, mas não é muito impressioante.

Contudo, só há uma boa maneira de aumentar vossos vocabulários e é lendo muito. Infelizmente, não há nenhum "guia de expressões para combates", mas você pode ler livros sobre fantasia medieval ou sobre guerras. Contudo, a minha dica é para que vocês leiam de tudo, afinal assim terão vocabulário suficiene para vários jogos e não somente os combates.


NÃO SEJA GENTIL

Um combate é o extremo que uma pessoa pode chegar, um momento em que o lado animal do ser humano vem à tona. Poucas pessoas combatem por prazer e em uma boa cena de combate isso deve ser transmitido.

Como narrador, sua função é mostrar aos jogadores os perigos do combate, não através de elevadas pontuações de dano e sim através da narrativa. Em minhas recentes experiências como narrador virtual na mesa oficial de AD&D deste blog, os oponentes enfrentados por nossos aventureiros raramente tiravam mais do que três pontos de dano, na maioria era um mísero pontinho e olhe lá. Mesmo assim eu consegui evocar a emoção e o perigo do combate usando as técnicas descritas acima.

Lembre-se contudo que, combater bandos de kobolds pode parecer emocionante nos níveis mais baixos, mas isso se torna cansativo em níveis mais elevados. Ao invés de simplesmente ficar jogando inimigos cada vez mais poderosos como em um videogame, faça-os enfrentar vilões de verdade.

Um bom vilão deve ser um personagem memorável, com personalidade definida e não apenas um monstro sem nome. Você, contudo, não precisa escrever um livro sobre o passado do vilão, afinal, durante o jogo os personagens raramente descobrirão os detalhes desse passado. Basta lembrar do famoso Mestre Arsenal, cujo histórico é bem resumido, mas que ainda assim sempre provoca grandes emoções quando bem utilizado como PdM.

ROUND ONE, FIGHT!

Bem, com essas dicas eu passei um pouco de minha experiência como narrador e principalmente como jogador, no intuito de ajudá-los a narrar combates memoráveis. Lembre-se contudo que você deve encontrar o SEU estilo narrativo.

Tente imaginar os grandes roteiristas ou diretores de cinema. Muitas vezes você já imagina a qualidade do filme ou livro só pelo nome de quem escreveu (Alan Moore é porreta!), então porque não ser lembrado entre seus amigos como um narrador com um estilo diferenciado de arbitrar a mesa de jogo?

E como não poderia deixar de ser, um aviso que eu sei que a imensa maioria dos leitores NÃO VÃO precisar. Combates são legais em RPG de mesa ou até mesmo em mesas virtuais, mas NÃO funcionam em Live Action, mesmo com pessoas treinadas, então, após terminar a sessão de mesa, guarde suas armas imaginárias e deixe-as somente para os mundos fascinantes em que viajamos em nossas imaginações.

17 comentários:

  1. Eu Aposto na velhinha...

    Muito boas as dicas oraculóide...Abraço...

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  2. Historico resumido ou historico nenhum? rsrsrsrs. Ficou boa a matéria. Dei o maior valor Oracú.

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  3. Interpretação é fundamental para o rpg, pena que nem todos apostam suas fichas nela!

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  4. Lembro-me certa vez de alguém que falou que AD&D é limitado em relação às versões mais novas de D&D justamente por não ter poderes, talentos e o escambau.

    Isso é uma grande besteira, afinal o que vale não é o regulamento e sim a narração, tanto dos jogadores quanto do narrador.

    Então, se você precisa ler várias linhas de pura mecânica de jogo do Talento Ataque Giratório pra dizer que seu personagem gira a sua espada no intuito de atingir mais oponentes, o problema não é com o sistema de regras.

    PS.: Que papo é esse de Oracú? Acho que você colocou seu assento no lugar errado...

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  5. É por isso que eu não frequento mais a comunidade Dungeons & Dragons Brasil do Orkut. É SÓ BUILDS. Fico puto da cara com isso, os manés não sabem nem o que é jogar RPG de verdade.

    Até um dos primeiros posts do Oráculo aqui foi sobre Builds, bem interessante que leiam.

    Abraços macacada.

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  6. concordo Trapaça, mas não é so na D&DBr não.
    em QUASE TODO lugar é assim.
    D&D3 é muito bom, mas na MINHA opinião tem suplementos demais voltados para regras.
    Na minha mesa não adoto nem os livros de classe.
    E os jogadores ficaram com muita preguiça de pensar em coisas importantes e só pensam em combos. Os proprios talentos limitam a interpretação.

    Oráculo, seu proximo post desta serie poderia ser voltado mais aos jogadores e como a interpretação pode trazer grandes vantagens, inclusive ignorando regras.

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  7. "Builders e a Interpretação" foi o meu primeiro artigo aqui, estreando a coluna Post do Leitor! Pois é, eu fui o primeiro a ter culhões pra mandar um texto pro Trapaceiro e acabei ganhando uma vaga pra ser escravo aqui =D

    Leiam esse artigo aqui: http://dragaobanguela.blogspot.com/2009/06/post-do-leitor-builders-e-interpretacao.html

    @ Ladyus:

    Esse artigo é mais voltado a narradores, mas também é útil para o roleplay dos jogadores, mas eu penso sim em fazer um artigo exclusivo pra jogadores. Na verdade já estou escrevendo um pra jogadores de Vampiro, mas pretendo fazer um mais genérico como este.

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  8. A coisa ta TENSA a maioria dos jogadores só se preocupam com números coisa de MMORPG ou GAMES, isso torna o jogo extremamente chato pq a imaginação nas cenas vira uma tela de computador, sem interpretação os combates são só numeros rolando ai a coisa vira aquele final fantasy.

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  9. A idéia para escrever este artigo surgiu na mesa virtual do DB justamente quando levantaram esse assunto.

    Eu sempre narro os ataques da maneira que demonstrei neste artigo, o que causou um certo impacto, já que muitos estavam acostumados com o estilo Final Fantasy de ser.

    Felizmente tem dado extremamente certo nesta mesa, pois os jogadores estão tendo ótimas atuações, o que me empolga para narrar cada vez mais esta saga.

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  10. @Oráculo: Legal você ter salientado que a maioria das descrições não precisa ser extremamente minuciosa. Obviamente, eu sou partidário das descrições durante o combate, mas muita gente que defende esse ponto-de-vista esquece que descrição demais cansa os jogadores tanto ou mais que descrição de menos ou nenhuma. Mas aí vai um adendo meu: Pontos de Vida (eu jogo D&D, outros jogos podem ter nomes diferentes, como Níveis de Vitalidade e etc.) são uma abstração de resistência, não necessariamente de saúde. Isso significa que nem todo acerto deve ser necessariamente um ferimento. Senão também pode ficar com cara de jogo eletrônico: imagine um personagem levando flechada após flechada todos os rounds do combate, mas como ele tem muitos PVs e os danos são pequenos, isso não o derruba fácil. depois de umas dez rodadas de combate ele pode muito bem ter umas vinte flechas cravadas pelo corpo (quem já jogou Dungeon Siege pode visualizar a cena hilária). Da mesma forma, um guerreiro com 100 PVs precisaria levar em média umas 50 adagadas antes de cair! Putz, o cara já teria virado carne moída! Uma house rule que eu uso quando estou mestrando (e isso desde antes do D&D 4E) é que os danos só resultam em ferimentos reais depois que o personagem perdeu pelo menos metade dos PVs (salvo, claro, ocasiões especiais). E mesmo depois, danos podem ser ou podem não ser ferimentos. Apenas o último é que nunca deixou de ser (por motivos óbvios =P).

    @Ladyus: "Os proprios talentos limitam a interpretação." Isso ficou meio genérico, não sei se você está falando só do seu grupo. Porque se for uma generalização, eu discordo veementemente. As regras da 3ª ou 4ª Edições não impedem absolutamente ninguém de interpretar seu personagem. Sim, muitos jogadores deixam o Roleplaying de lado e focam no Game, mas isso é um defeito de jogadores e não de jogo. Um personagem pode ser profundo, carismático e ainda assim ter uma build que o torne eficiente naquilo que o jogador pretende fazer durante o jogo (e eu admito também que, em D&D principalmente, isso geralmente quer dizer combate). Aliás, eu mesmo, mais de uma vez, defini aspectos importantes do personagem justamente por causa da build que eu estava montando. Para mim (a repetição é para frisar que isso é a minha experiência pessoal), o processo de criação de personagem é integrando história, personalidade e regras: geralmente eu começo com um conceito de personagem que eu quero, e vou lapidando isso conforme vou criando a ficha para haver coesão entre estatísticas de jogo e background. E a única vez que um DM reclamou que meu personagem parecia "raso" foi num criado às pressas, e que eu tinha em mente o conceito de "jovem que tam o futuro todo pela frente" (ou seja, tinha pouco background de propósito... -_-); mas, de qualquer jeito, esse também não tinha uma build pensada no momento da criação...

    Putz, escrevi pra caramba, devia ter feito isso pro "Post do Leitor"... xD~~

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  11. Pois é, perdeste uma chance de figurar no Post do Leitor =D

    Bem, partindo do princípio que eu mostrei no caso da CA, os Pontos de Vida podem também ser interpretados de milhares de maneiras, mesmo porque o nome original é Hit Points, algo como "pontos de acerto" ou algo do tipo.

    Você pode usar como resistência, saúde, moral ou qualquer coisa que mostre que quanto menos o personagem tiver, menos apto ele estará a lutar, diferente de Gurps e Storyteller, por exemplo em que esse tipo de regra se aplica somente a ferimentos.

    Um personagem pode, por exemplo com um golpe preciso de uma espada, sofrer um mero arranhão, mas ter ficado com o orgulho ferido e tombando em desgraça.

    Tudo depende do nível de realismo da sua narrativa, afinal num jogo épico os heróis enfrentam deuses e bolas de fogo chovem pelo campo de batalha.

    Lembrando sempre que não existe um "jeito certo" de se jogar RPG. As dicas que eu passo são simplesmente a maneira que eu acho mais divertida de se jogar, mas se o seu grupo curtir um estilo mais estratégico que mal há nisso?

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Na mesa que jogo o DM cobra muito a interpretação. Um exemplo é o tom de voz em que conversamos, se estivermos espreitando um inimigo e falarmos em tom normal isso dá uma chance para sermos descobertos. Pode parecer exagero, mas faz com que tudo fique mais real e divertido. E quando a interpretação fica boa até ganhamos bônus em XP, o que estimula mais ainda mantermos o Role play.

    Oráculo muito legal o post... parabéns.

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  14. A maioria dos sistemas de RPG tem regras para premiação em XP baseadas na interpretação.

    Aliás, dos que eu conheço, D&D é o único sistema em que os personagens ganham mais XPs lutando do que fazendo outras ações.

    Em Storyteller, por exemplo você pode passar a sessão inteira lutando e não ganhar nada por isso.

    E fazendo uma propaganda aqui do blog, o mais recente scan da equipe do Dragão Banguela (equipe porra nenhuma, desta vez eu fiz tudo sozinho), o Dragonlance D20, apresenta regras adicionais para premiação de personagens devido à interpretação.

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  15. Mostre que a interpretação pode ser muito mais divertida que horas e horas de combate, dê uma chance à Paranóia:
    http://dragaobanguela.blogspot.com/2010/01/download-paranoia.html

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