quinta-feira, 26 de agosto de 2010

It's a Kind of Magic



Olá, rastejadores de masmorras!

Mais uma vez o poderoso Oráculo vem aqui neste antro de vagabundos para falar mais um pouco sobre interpretação de personagens. Afinal, apesar de alguns negarem, RPG não é só sobre rolar dados e controlar bonequinhos!

Pois bem, eu nem preciso avisar que o conteúdo deste artigo contém apenas dicas que vocês podem seguir, adaptar, modificar, ignorar e por aí vai. Não existe, de maneira alguma, um jeito certo de se jogar RPG. Aliás, existe sim, é o jeito mais divertido!

O tema do artigo de hoje foi baseado na sugestão do leitor Caio, mais conhecido como Kenay, o halfling ladrão da primeira mesa oficial de AD&D, promovida por este humilde (mentira) mago.

A COR DA MAGIA

A magia é um elemento importantíssimo dos mais diversos RPGs de fantasia e/ou misticismo. Sem ela não haveriam magos, clérigos, feiticeiros, druidas e demais arquétipos místicos das histórias de fantasia.



Em termos de regras temos diversas descrições de como funciona, ou pelo menos, como deveria funcionar, já que não existe magia no mundo real. Cada sistema de regras tem alguma maneira de lidar com a magia, seja ela arcana, divina ou de qualquer outra fonte. Já em relação à interpretação das magias temos uma enorme carência de informações.

Peguemos como exemplo o famosíssimo Dungeons & Dragons. Qualquer que seja a classe conjuradora de magias, sempre haverá um passo a passo parecido para executá-la. Primeiro o personagem prepara a magia, depois profere palavras mágicas, faz gestos e utiliza componentes materiais e depois disso tudo as regras se encarregam do resto. Mas afinal, que palavras são essas? E os gestos? Basta um estalar de dedos e um abracadabra pra resolver tudo? E os conjuradores divinos? Simplesmente pedem por favor [insira o nome da divindade aqui]?

O grande problema (e também o grande mérito) da magia é que ela não é uma ciência exata. Exceto pela descrição dos componentes materiais, nenhum outro componente, seja ele verbal ou gestual, é especificado, o que confunde muitos novatos (e uma porrada de veteranos também).

É muito simples dizer "meu personagem profere palavras estranhas e começa a gesticular enquanto esfrega um pouco de guano de morcego, afim de criar uma Bola de Fogo". Mas que gestos e palavras estranhas são essas? Teoricamente você não é obrigado a especificar nada disso, mas ajuda muito a nos aprofundar na interpretação do personagem. E o foco aqui é interpretar, certo?

GRIMOIRE... GRIMOÁR... GRIMO... AH, ESSE LIVRÃO AÍ!

Interpretar um personagem conjurador sempre é um desafio. Em níveis mais baixos temos que lidar com o risco de morrer com um único golpe, enquanto nos níveis mais altos temos de lidar com listas gigantescas de magias. Contudo, vamos nos ater à interpretação das magias.

Como já dito anteriormente, os manuais de regras geralmente especificam os componentes materiais, mas nunca os componentes gestuais e verbais. Nesse caso devemos usar a criatividade para criar nossos próprios componentes.




No caso dos componentes gestuais você pode representar alguns gestos e posições com as mãos, mas geralmente não é muito prático (e até mesmo constrangedor) encenar danças ritualísticas e outros gestos que usem algo além das mãos. Uma boa ideia é planejar alguns gestos simples relacionados à Escola da magia (ou Caminho, Esfera e o que mais seu sistema favorito utilizar) e apenas aplicar algumas variações para cada magia específica (sim, mais ou menos como os Jutsus do Naruto).



Já no caso dos componentes verbais temos uma imensa gama de escolhas que podem definir o nosso método de interpretação. Primeiramente deve-se decidir que tipo de coisas seu personagem irá dizer ao conjurar a magia. Ele pode, por exemplo, falar uma pequena rima
("Pelo poder dos espíritos antigos / Dê-me poder para incinerar meus inimigos!"), ou então usar algum idioma do mundo real (sabiam que Vuurbol é Bola de Fogo em holandês?).
Você não precisa ser um poliglota (ou um troglodita) pra saber isso, basta uma consulta a um bom dicionário (ou o tradutor do Google mesmo).

Outra opção é simplesmente inventar palavras e assumir que seja um idioma arcaico conhecido apenas por magos. Você não precisa criar uma nova língua para isso, basta apenas fazer uma breve lista ao lado do nome de cada magia na sua ficha. Para manter a impressão de que se trata de um idioma arcaico de verdade você pode usar palavras similares para magias similares, apenas com pequenas vaiações.

Com o tempo esse estilo de interpretação ficará marcado entre o grupo de jogo. Todo mundo que leu a saga de Dragonlance, por exemplo, sabe que quando Raistlin pronuncia a palavras "Shirak", ele conjurará a magia Luz.



Outro ponto interessante para aplicar esse estilo de interpretação é no momento de memorizar as magias. O personagem pode ficar repetindo algumas dessas palavras como se estivesse tentando memorizá-las. Só tome cuidado para não transformar cada memorização diária em um extenso discurso de palavras estranhas ou o jogo não seguirá em frente. Normalmente o narrador lida com essas cenas usando tempo acelerado (cada jogador diz o que seu personagem fará durante esse tempo), mas vez por outra é interessante interpretá-las.

UMA QUESTÃO DE FÉ

No caso dos clérigos e paladinos a coisa muda de figura, afinal não se trata de uma ciência exata. Na verdade um conjurador divino não faz nada por si próprio, apenas canalizando o poder de sua divindade patrona ou de uma causa, no caso de um clérigo genérico.



Neste caso o melhor meio de se interpretar a conjuração é conhecendo os etos da divindade em questão. Um clérigo de Keen, deus artoniano da guerra, por exemplo, não pediria "por favor" para sua divindade, pois isso seria considerado um sinal de fraqueza (um exemplo claro disso são as conversas entre o deus e seu sumo-sacerdote Mestre Arsenal).

Analizemos uma simples magia de cura: Um clérigo de uma divindade guerreira poderia pedir que esta concedesse forças ao alvo da magia para que ele continuasse combatendo, enquanto um sacerdote de uma divindade de uma divindade da paz pediria que o alvo recebesse alívio em sua alma que outrora estivera em conflito e agora deseja piedade. A mesma magia vista de pontos de vista diferentes e condizentes com os ensinamentos de cada divindade.



Como a maioria dos componentes materiais das magias divinas são baseados no símbolo sagrado da divindade ou em objetos que tais deuses consideram sagrados, não temos nenhum problema na interpretação. Já no caso dos gestuais também vale a dica de se basear nos ensinamentos de cada deus. Talvez uma divindade da guerra cure enquanto o sacerdote aplica golpes em pontos vitais do alvo (alguém lembrou dos Cavaleiros do Zodíaco?), enquanto uma divindade pacífica prefira gestos mais suaves.

Já os druidas e rangers são basicamente conjuradores divinos com um paradigma diferente. Saem os deuses e entra a natureza como um todo. Uma boa ideia seria que o jogador conhecesse nomes de variadas plantas e frutos para que seu personagem usasse ao conjurar o poder da natureza. Obviamente um jogador que controle um druida não precisa aprender botânica, mas se possível, um pouquinho de estudo é desejável (pode ser até mesmo pesquisa na wikipedia).



THE BARD'S SONG

E como ficam os bardos? Jogadores de AD&D sabem que a classe aprende um pouco de cada coisa durante sua carreira, o que inclui magia arcana. Ou seja, os bardos estudam da mesma maneira que os magos, embora sem o mesmo empenho, o que explica sua lista de feitiços reduzida. Já na terceira edição em diante foi mudada essa abordagem, utilizando-se magias específicas para a classe (antes um bardo porderia conjurar uma bola de fogo sem maiores problemas).

As opções de como interpretar magias de bardo são tão infinitas como as formas de arte (embora muita gente ache que bardos só sabem tocar bandolim). Você pode, por exemplo, recitar poemas (com rimas ou não), cantar palavras mágicas, elaborar danças ou até fazer pinturas no ar com um pincel (isso seria especificamente impressionante no caso de magias que criam objetos).

Jogadores versados em algum instrumento musical poderiam pedir permissão para o narrador para tocar determinados acordes como forma de conjurar suas magias. Neste caso algumas ressalvas deveriam ser feitas, sendo a principal delas a que se use instrumentos acústicos (nada de guitarras elétricas na era medieval) e que sejam portáteis, afinal seria estranho montar um kit de bateria pra cada sessão de jogo. Além disso, o narrador deve ter sempre o cuidado de evitar que o jogador em questão roube a cena, senão, ao invés de sessão de RPG teremos um show de música particular.

Como vemos as opções são muitas e jogadores criativos poderão elaborar seus próprios estilos de conjurar magias de maneira única. Existe muito mais magia em interpretar um personagem criativamente do que dizer "eu lanço uma Bola de Fogo".


Sobre o Autor:
O OráculoO Oráculo é o segundo em comando no Blog do Dragão Banguela e escreve sobre nerdices em geral no Dimensão X. Mago e Inspetor de Equipamentos nas horas vagas. É fã assumido de AD&D 2ª edição, mas não liga muito pra essa história de Old-School.



15 comentários:

  1. Exelente post Oracle, adorei o nome (referência a uma música do queen se não me engano). "Esse livrão ai" FUDEU! AKoPakpkopakoPKpakOako

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  2. Kenay, O halfling ladrão26 de agosto de 2010 às 21:07

    Po##a!!
    eu fiz esse comentario com o oraculo a 2 dias sobre essa materia
    e hj ele me surpreende com um puta post sobre o assunto, superou e muito minhas expectativas...
    cara parabens!!
    só pra completar to pensando agora em fazer um sobre pjs ladinos no post do leitor...
    O joker pode até me da umas dicas para melhorar pjs caoticos rsrs

    Vlw mesmo oraculo, ja esta encaminhado para os conjuradores do grupo!

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  3. @Joker: A música é do Queen mesmo, só não lembro agora em qual disco saiu.

    @Kenay: Na verdade já me andavam cobrando alguns artigos para jogadores, já que a maioria das coisas que eu escrevo são para narradores (o que criou uma enorme ilusão de que eu sou um grande narrador, quando na verdade eu sempre preferi jogar a narrar).

    Quando você me mandou o e-mail pedindo ajuda sobre o tema eu tive tantas ideias que comecei a escrever quase que imediatamente.

    Quanto ao post do leitor, sempre será bem vindo, mesmo porque o povo anda preguiçoso!

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  4. Ah! E além do título do artigo ter uma referência a uma música do Queen, ainda existem mais duas referências nerds.

    O subtítulo "A Cor da Magia" é o nome de um dos livros (o primeiro se não me engano) da série Discworld, e o subtítulo "The Bard's Song" vem das fodásticas músicas do Blind Guardian (In the Forest e The Hobbit).

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  5. excelente texto ajunda muito a dar um clima mais de fantasia na mesa.

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  6. Como exemplos de personagens que usam esse recurs pode-se citar o Dark Scheneider de Bastard, quando ele invoca uma magia ele recita algumas palavras e encerra com uma palvras(as vezes duas) que "liberam" a magia (na tradução essa palavra(s) era sempre o nome de uma banda de heavy metal). Além dele em Record of Lodoss War a elfa Deedlit usava o mesmo recurso, mas ela invocava elementais solicitando seu auxílio, além do mago Wort que do clérigo Etoh. Ah ainda no Bastard, no primeiro capítulo tem um clérigo usando alguns milagres maneiros.

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  7. Grande post cara!

    Sempre que posso,crio magias em Russo ou árabe,sendo o primeiro especialmente bom para armas e nomes de lugares,além do alemão e do turco de vez em quando também.
    Como ninguém na mesa(nem eu) sabe nenhuma dessas línguas,elas soam "mágicas".
    Ah,aliás,sempre joguei RPG's focados em combate,em desbravar dungeons e matar gente até mesmo nas cidades se possível,mas a interpretação aliada a isso,torna o jogo muito mais interessante.Particularmente,não sou ator e nem gosto de jogos que tenham pouca/nenhuma ação.

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  8. @Thiago "Samyaza" Rodrigues: Não sou grande conhecedor de animes/mangás, mas obrigado pela dica. Irei conferir esses exemplos assim que tiver oportunidade.

    @Gutão: Nenhum jogador de RPG precisa ser um ator digno do Oscar, mas é sempre legal dar uma diferenciada nos personagens para que eles pareçam "vivos".

    Além disso, um jogo com foco na interpretação não substitui a ação e o combate. Tiro como exemplo as sessões de RPG virtual com os leitores aqui do blog. Temos muita ação, combates e cenas de impacto, mas também temos diálogos intensos e muita representação.

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  9. Depois de ler este post me sinto na obrigação moral de dar uma reformulada na abordagem do Albernaizzer. Embora nas raríssimas vezes em que usei magia (1º nível=1 Magia)os efeitos tenha sido descritos com maestria pelo nobre narrador, as observações lançadas nessa matéria ja entrarão em prática na próxima sessão.

    Valeu oráculo, ótima sugestão caio!!!

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  10. @Kenay Personagens caoticos huuumm.... Dicas.....
    Bom ai vai.....NUNCA, mas nunca planeje NADA deixe o caos fluir na sua mente e sempre que tiver oportunidade coma uma polenta cósmica!
    KAOKAPKAKPOAOPAKOPKAOPKAPOKPAOPAK O_o"

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  11. Muito bom post Oráculo, inclusive porque ele engloba todo tipo de sistema. Como por exemplo mago a ascenção onde a magia de fato é algo bem mais elaborado e complexo que DeD.
    Heigberg equipe CYBR Project

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  12. Eu procurei fazer o texto da maneira mais genérica possível, pois a magia é um elemento existento nos mais diversos sistemas. O foco principal ainda está em D&D, pois é o RPG mais famoso do mundo, mas essas dicas podem ser aproveitadas por jogadores de qualquer sistema.

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  13. Muito bom Oráculo =). Eu sou realmente fascinado por magia em RPG's. Meus personagens quase sempre são feiticeiros (Mighty Blade) ou magos (outros sistemas).

    Eu cheguei a fazer, faz um tempo, uma lista com as "palavras mágicas" de todas as magias de Mighty Blade, já que não são tantas. Estava até mesmo começando a fazer textos sobre variações sobre as magias para interessar aos magos de plantão (as diferenças entre criar iluminação em formato de cone ou de vela por exemplo).

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  14. Eu acho legal recitar as palavras do Shurato... xD~~

    Essa coisa de "recitar" as magias me lembrou os livros jogos da série Sorcery!, se você escolhe jogar com um mago, você pode lançar magias (dã) quando o livro te dá a opção; mas o interessante é que você tem que lembrar a palavra mágica para cada magia, ou pode se dar mal (obviamente, o livro pede que o jogador não consulte a lista, e eu endosso que é bem mais divertido). Claro, as palavras mágicas são bem simples (uma seqüência de três letras), porque é o objetivo de ninguém ficar decorando as complexidades de se conjurar magias de um livro-jogo... xD~~

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  15. Falando de Animes outro exemplo é Fate Stay Night onde para o componente verbal de diversas magias são usadas palavras em alemão (principalmente no caso da personagem Tohsaka Rin).

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