sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Holy Avenger, a HQ de maior sucesso no Brasil que NÃO foi escrita pelo Mauricio de Sousa

Recentemente estive na segunda edição da Rio Comicon e pude ver de perto a Erica Awano, a desenhista de Holy Avenger e acabei pensando em duas coisas...

Uma das coisas em que pensei é em quão triste foi constatar que o stand do Peter Kuper (se você não sabe quem é, merece tomar um tiro nesse cu, seu filho da puta!) estava vazio em relação ao da Awano (que é mais bonita na versão mangá que ela desenhava de si mesma, entre um capítulo e outro, junto com o Cassaro vestido de Capitão Ninja).

E a outra foi que, até hoje, Holy Avenger permanece como um dos maiores sucessos editoriais do quadrinho brasileiro, mesmo que a série tenha sido concluída há quase dez anos. Por isso mesmo, resolvi escrever este artigo para relembrar sobre a série e apresentá-la para aqueles que são jovens demais para terem conhecido-a.



RÓLI O QUE?

O ano era 1999 e a Dragão Brasil era a maior, a melhor e a única revista especializada em RPG a pintar nas prateleiras das bancas de jornal, isso numa época em que a internet ainda era um luxo para poucos, mas já começava a se popularizar entre os usuários do Windows 98.

As matérias sobre RPG da revista atingiram tamanha popularidade que os editores resolveram reunir suas melhores ideias (e acrescentar novas) para criar um cenário de campanha própria, compatível com AD&D, Gurps e 3D&T, os sistemas que dominavam o momento (excluindo, é claro, o Storyteller, que apesar da legião de fãs, não combinava nem um pouco com o estilo de heroísmo em um mundo de fantasia medieval). E assim surgiu Tormenta e seu mundo de Arton.

Mas que graça há em se criar um cenário para os outros usarem em seus jogos de RPG se não dá pra escrever nenhuma história nele? Então, para enriquecer a mitologia de Arton surgiu a série em quadrinhos Holy Avenger, baseada no mundo de Tormenta.


A SAGA DOS RUBIS DA VIRTUDE

Como se poderia esperar de uma série ambientada num mundo de fantasia medieval aos moldes de D&D, Holy Avenger é uma história de aventuras, mas acima de tudo, é uma história de romance e esse é apenas um dos diferenciais marcantes dessa HQ.

A HQ narra a saga de Lisandra, uma jovem druida e única humana habitante da selvagem ilha de Galrasia, em busca dos Rubis da Virtude, para ressucitar o misterioso Paladino, o maior herói de toda Arton e por quem a jovem é perdidamente apaixonada.

No processo ela acaba conhecendo Sandro, o filho do maior ladrão de todo o mundo e que tenta (sem sucesso) seguir os passos do pai. Sandro acaba se apaixonando à primeira vista por Lisandra, mesmo sem ter muita noção de seus sentimentos (naquela época não era que nem hoje em dia em que já se trepa no primeiro encontro). Movido por sua paixão, ele acaba se metendo em altas confusões (no melhor estilo do Narrador da Sessão da Tarde) para ajudar Lisandra, mesmo que esta só tenha olhos para o Paladino.

Completando o time de protagonistas temos Tork, um troglodita anão, que criou Lisandra como se fosse sua filha e Niele, a elfa com visual sado-masô, que ajuda Sandro, porque não tem muito mais o que fazer com um cajado mágico com poderes semi-ilimitados.

Aliás, a Niele acabou se tornando um ícone entre os RPGistas brasileiros, principalmente por suas roupas mínimas, mas também por seus dotes físicos avantajados, o que é pouco comum para o estereótipo élfico. O mais perto que temos de elfas gostosas são as que o Elmore desenhava pro Dragonlance.

Cosplays da Niele são sempre bem vindos

Já do lado dos vilões tinhamos a sinistra aliança de Mestre Arsenal, fã de Darth Vader e então sumo sacerdote do deus da guerra e Nekapeth, sumo sacerdote do banido deus da traição, além de uma ampla gama de vilões menores, mas não menos marcantes. O meu favorito, embora não seja um personagem lá muito criativo, é o Camaleão.


PIONEIRISMO

Além de ter uma trama extremamente atraente para os fãs de RPG (afinal tinha todos os arquétipos clássicos de D&D), Holy Avenger se destacou por desbravar um território até então pouco explorado pelas editoras brasileiras.

A animação japonesa já tinha bastante força aqui no Brasil, mas ainda era difícil encontrar mangás nas bancas, bem diferente de hoje em dia em que vemos mais mangás do que qualquer outro tipo de quadrinhos nas prateleiras (se isso é bom ou não, fica pra outro artigo).



A demanda do público já existia, mas como era de se esperar, poucas editoras tiveram a manha de atender o desejo do público (se bem que a Panini não atende os fãs de super heróis e está aí há anos).

Cassaro que já havia experimentado publicar quadrinhos puxados para o estilo Image em voga nos anos 90, com UFO Team, Godless e outros títulos da editora Trama, chamou Erica Awano, uma desenhista com forte influência do estilo nipônico para ilustrar a saga dos Rubis da Virtude.

Apesar do traço ser clarmente inspirado nos mangás, a revista ainda tinha muita coisa do quadrinho americano, como o formato da publicação e o número de páginas. Além disso, cada edição vinha com uma matéria sobre RPG que de alguma maneira tinha relação com a história. No capítulo em que Sandro enfrenta Trolls, por exemplo, temos um artigo sobre os trolls da mitologia e os trolls dos jogos de RPG (sem relação com os trolls babacas que são chamados assim hoje em dia).

Outra coisa que denota bem o trabalho de um bom editor é que o roteiro é feito para se adaptar ao estilo da desenhista. Awano não manda muito bem nas sequências de porradaria, por isso, o roteiro evita cair na armadilha de colocar os personagens para lutarem o tempo todo (como em uma aventura típica de D&D) e usa outras alternativas para desenvolver a ação. A luta entre Paladino e Arsenal é um exemplo claro disso.



20 NATURAL

E então, Holy Avenger é essa Coca Cola toda? Na verdade, o roteiro, apesar de bem escrito, muitas vezes mostrava-se sendo escrito de maneira meio empírica, como se o autor não tivesse muita ideia de onde levar a saga. Além disso, a quantidade de referências a animes e mangás era exagerada a ponto de deixar de serem apenas referências e se tornarem paródias mesmo.

A arte de Awano também não havia atingido seu potencial pleno. Não chegava a comprometer a qualidade do trabalho, mas em algumas páginas dava pra sentir que faltava alguma coisa a mais. Alguns defensores radicais podem culpar o prazo apertado, mas basta conferir o trabalho do Ivan Reis na DC e ver que prazo não chega a ser problema.

Ainda assim, Holy Avenger teve a moral de se sustentar por quase três anos com qualidade crescente, em um mercado em que excelentes ideias morrem em no máximo três edições e acabou rendendo ao autor Marcelo Cassaro um convite para trabalhar com ninguém menos que Mauricio de Sousa. Se isso não é um sucesso decisivo, sinceramente não sei o que é.


A HERANÇA

Os fãs órfãos de Holy Avenger aguardam até hoje a animação baseada na HQ, mas como se sabe, fazer desenho animado (ou qualquer tipo de obra cinematográfica com um mínimo de qualidade) no Brasil é complicado e a produção ainda parece bem longe de chegar às telas. Mas ao contrário do que os mais pessimistas alegam, a produção não morreu, apenas caminha no passo em que lhe é permitido andar.

Já nos quadrinhos, a dupla responsável por Holy Avenger também criou Dragon Bride, que fora publicada nos primeiros números da Dragon Slayer e que recentemente ganhou um álbum em formato mais luxuoso. Como história, DBride é mais eficaz que Holy Avenger, apesar de ser mais curta. Além disso, a evolução de Awano como desenhista é facilmente notada.

Atualmente, o mundo de Arton figura nas páginas de Ledd, que segue ainda mais o estilo mangá, além de ser bem mais focado na ação. Ainda é difícil fazer uma análise mais completa sobre a qualidade de Ledd, mas o potencial para ser o novo Holy Avenger (e talvez ir além) é bem forte.

Ainda assim, os fãs ainda aguardam a republicação de Holy Avenger, talvez em um formato mais luxuoso (apesar de saber que isso vai sair caro pra cacete). Quem sabe, que com o sucesso da versão impressa de Ledd isso não ocorra? Fica a torcida para que a saga dos Rubis da Virtude volte a ocupar as prateleiras das livrarias.

Sobre o Autor:
O OráculoO Oráculo é o segundo em comando no Blog do Dragão Banguela e escreve sobre nerdices em geral no Dimensão X. Mago e Técnico em Mecânica nas horas vagas. Não pegou autógrafo da Awano na Rio Comicon.



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